Uma canção para Lília


Na verdade, o título pode ser enganador, porque estou a escrever e não a cantar. Mas descobri que há muitas formas de cantar alguém ou alguma coisa. O Canto é a escrita do coração, é a música da alma. E hoje, meu coração e a minha alma cantam Lília.

Conheci a Lília num momento difícil. Um dos momentos mais difíceis da minha vida. A sua voz ao telefone era estranhamente familiar e quando me encontrei com ela pela primeira vez, foi como ver-me ao espelho, mas numa outra versão. Mais madura, mais serena, mais sábia. Só por olhá-la, algo em mim entendeu que toda aquela raiva e tristeza que sentia, todos os meus bloqueios e prisões, poderiam ser fiados e costurados num lindo manto. Lília vestia o seu com orgulho e amor. A sua beleza e o seu poder vinham do trabalho minucioso de tecer a vida, encontrando em cada linha a forma de harmonizar e integrar tudo. Os amores e as dores. Os orgulhos e as vergonhas. Os nascimentos e as mortes. As esperanças e os desesperos.

Mas o sítio onde eu estava nesse momento, pedia que primeiro, o manto que me pesava nos ossos fosse desfiado, fio a fio, com muito cuidado e perícia. A Lília sentou-se comigo e foi guiando este desfazer, fazendo-me olhar cada fio, pegar-lhe, senti-lo, dar-lhe nome e reconhecê-lo como meu. Para lá do bem e do mal, do julgamento humano, tal como Penélope, tornámo-nos senhoras do tempo a desfiar a vida. E sempre que eu negligenciava qualquer fio, por achá-lo feio ou estragado, Lília ia buscá-lo e dizia-me: este também faz parte. Sem ele não tinhas chegado aqui. E assim, sem pressas e com muito amor, um novo manto vai surgindo, feito dos mesmos fios mas que agora são trabalhados por mãos conscientes, as mãos da tecelã que eu tinha dentro de mim sem saber.

A Lília canta para mim e conta-me histórias enquanto fiamos a vida. A Lília é minha terapeuta mas também é minha irmã e minha mestra. Sem ela não tinha descoberto a tecelã em mim e provavelmente todo este projecto da Manta de Retalhos não existiria. A minha canção para Lília é uma canção de amor, de eterna gratidão mas sobretudo é uma canção de poder. O poder que vem de vestirmos o nosso manto com amor e orgulho.

*por Catarina Ferreira

 

 

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