RETALHOS DE INFÂNCIA: OS CARONEIROS
Inês é uma mulher da minha família muito próxima e com quem tenho muitas histórias e memórias afetivas guardadas no coração. É que além de ser minha prima segunda e filha dos meus padrinhos, também é casada com meu tio Vavá. Lembro dela em vários momentos da minha infância e adolescência, na praia, na minha casa, na casa da minha avó, em vários carnavais e brincadeiras. Também cuidando dois pais, irmãs e irmão e, depois, com muito zelo, amor e dedicação, dos filhos. Sempre foi inspiradora para mim, pois, apesar de ter um coração enorme e ter esse lado maternal, muito comum nas mulheres da família, também sempre cuidou muito bem dela mesma (e isso sempre me interessou, principalmente agora). Desenrolada, sabida, decidida, organizada, independente financeiramente, firme e ao mesmo tempo muito leve, sempre corria atrás do bom e do melhor para ela e também para quem estava ao redor. Com Inês comi meus melhores acarajés, meus melhores chocolates e picolés na praia. Estar com ela era para mim desfrutar de vários prazeres que não eram tão comuns quando eu era pequena. Suas roupas, seus cremes, seus anéis, seu cabelo sempre bem cuidado. Adorava observá-la e estar perto de uma mulher assim. Ela recebeu o convite para nossa Manta de Retalhos e trouxe uma lembrança linda de sua infância: o primeiro contato que teve com o mar. Levada para o mundo, para a imensidão, pelo seu pai, meu padrinho José, da forma mais amorosa e cuidadosa possível. Com esta lembrança, trouxe também no seu bordado a energia de um masculino protetor e parceiro, mas que não impede a aventura, o caminho para o mundo e para a expansão e liberdade do feminino. Abaixo como foi para ela o nascimento do seu retalho.
“Fui para a praia pela primeira vez aos 6 anos, com minhas irmãs (Júnior, o mais novo, ainda não tinha nascido) e meus queridos e amados pais. O motivo da viagem: minha irmã Alice, a primogênita, quebrou
o braço ao subir em uma cadeira
para pegar a minha lancheira. Imaginem a aflição,
pois em Palmeira dos Índios, onde morávamos, fica a125 km de Maceió, e o hospital
da cidade não resolvia o problema.
O ano era 1967.
Ao retornar para Maceió após dias, papai fretou um táxi (antes chamado de carro de praça) e fomos todos acompanhá-la para tirar o gesso. Resolvido o motivo da viagem, aproveitamos para tomar um banho de mar, porque seria imperdível.
Fiquei encantada com a imensidão das águas, limpinhas e cristalinas e com o sol refletindo nas águas mansas.
Todos a margem brincando, quando papai perguntou quem queria ir nas costas dele para um mergulho, eu, como sempre muito afoita aceitei a carona. Ele falou, minha filha coloque a mão no nariz para não entrar água porque vou mergulhar, era raso a água batia na cintura dele. Não deu outra, eu além de não colocar a mão no nariz, ainda abri a boca, engoli água e abri o bocão a chorar. Lembro de o motorista falar: “Zé, como a menina vai segurar o nariz se está agarrada no seu pescoço! Kkkk”. Este é o meu caroneiro muito amado e inesquecível. Meu pai, com quem sempre me senti segura ao lado, meu defensor e amigo. Tenho várias caronas na minha memória, que me fazem bem espiritualmente.
Depois desse episódio resolvi ficar com mamãe e passear pela margem, quando avistamos várias tartarugas-marinhas emborcadas na areia, com as patas para cima. Lendo sobre o assunto fiquei sabendo que elas resistem até 20 dias nessa posição antes de morrer. Eram gigantes e lindas, emborcadas ficavam maiores do que eu.
Perguntei à mamãe o porquê de estarem nessa posição, ela respondeu que foram os pescadores, não continuando a conversa, pois se falasse que nesta posição iriam morrer, eu não iria me conformar. Andando mais um pouco eu e minhas irmãs Marta e Joseli vimos vários cascos de tartarugas que cabiam as três dentro, ficamos observando impressionados.
Hoje, lendo sobre estas encantadoras tartarugas- marinhas, que são caroneiras dos oceanos, viajam quilômetros jamais percorridos por outros animais marinhos, são as polinizadoras dos SETE MARES. Dão carona a mais de de 150 espécies, entre camarões, bactérias, corais e outros, animais que não conseguiriam chegar a uma distância a não ser com a sua carona.
As tartarugas possuem grande habilidade de orientação, destacando-se a habilidade da fêmea de localizar a praia onde nasceu para realizar sua desova, único momento em que esse animal sai da água, além de atingir até 136 cm de carapaça e mais de 150 kg, e vivem em média 150 anos.
É uma plataforma perfeita, como uma jangada para navegar pelos oceanos, conforme migram. São as encantadoras caroneiras dos oceanos.
Esses caroneiros (meu querido pai e as tartarugas marinhas ) estão até hoje marcados nas memórias dos meus retalhos.”
– Maria Inês de Abreu Pinto de Holanda, Maceió, Brasil, 26 de abril de 2023.
* texto de abertura de Neusa Rodrigues e foto de Inês
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