PLENITUDE DA MÃE E DA AVÓ

Haja coração para falar do retalho da minha mãe, Jeovanete (Jeo, como gosta de ser chamada). Mas estamos aqui para isto. Desde o primeiro momento que contei da Manta de Retalhos ela disse que estava dentro. Não era novidade participar de rodas de mulheres, tanto presenciais quanto online. Sempre a vi cercada de uma teia de mulheres da família de várias idades em rodas orgânicas que sempre a apoiaram e a fizeram feliz. E, depois dos 40 anos, quando houve mudanças profundas na sua vida, em vários círculos de mulheres. Se não me falha a memória, o primeiro foi para estudar o livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés (para minha sorte, que cresci folheando este livro na sua cabeceira). Depois em grupos de estudo e de vivências, sempre com muitas mulheres e alguns homens, como na Meditação Contemplativa, nas Mosqueteiras, nos estudos da filosofia, só para falar de alguns. 

Mamãe participou dos primeiros círculos para mulheres que realizei aqui em Lisboa. Ela estava aqui comigo durante a pandemia, primeiro por não ter conseguido voltar das férias para o Brasil por conta do fechamento dos aeroportos. Depois, por opção de estarmos com uma rotina segura e para me apoiar com os netos numa fase bem complexa de muitas transformações da vida neste planeta, do aumento das distâncias, de inexistente convívio social. Foi uma experiência incrível para ela e para mim. De resgate, de parceria, de amor, de viver na presença, de práticas simples que amamos fazer juntas todos os dias para não pirar e também de reencontro. Foi neste tempo que tive que repensar meus caminhos profissionais. Tudo muito incerto, escasso para todos. Toda gente à espera de como ficaria o mundo depois de tudo aquilo. 

Nas viagens profundas para achar os novos caminhos, fui de volta ao começo, ano de 2004, quando mudei pela primeira vez de rota, abracei as terapias complementares e passei muitos anos trabalhando só com isto. Em 2020, tinha acabado o curso de Constelações Familiares, voltei a fazer mandalas, oferecer atendimentos para mulheres, e, logo que abriu um pouco o mundo, círculos. Ela me apoiou como sempre nesta adaptação de jornada, seja vibrando, lendo o que eu escrevia, dando ideias, seja cuidando amorosamente dos meus filhos para que eu pudesse dar as minhas primeiras tentativas de voo numa terra estrangeira, numa mudança inesperada, cujo público-alvo eram pessoas que viviam uma pandemia e ainda estavam saindo muito devagarzinho das suas cavernas. 

Mais de dois anos depois, lançamos a Manta de Retalhos e mamãe, da casa dela lá no Recife, foi bem presente nos encontros online, falando sempre muito empolgada das suas ideias para o retalho, mas nunca de como iria fazê-lo. E eu com os meus botões: a não ser que algo tenha mudado neste tempo que estou longe, não lembro dela bordando, costurando, tricotando. Então, fiquei esperando a materialização de tudo de bonito que ela partilhava durante as rodas. 

Semana passada chegou para mim o seu pedacinho da manta. Usou de sua criatividade para imprimir duas fotos nossas, do meu aniversário de 15 anos, nossa família completa, meus irmãos ainda tão pequenos (e tão a cara dos meus filhos!). E uma outra foto dela com os netos, em outra fase da vida, na sua ilha de amor. Seu retalho fala da plenitude que sente em saber da nossa existência, em estar junto e amar sem medida. Abaixo sua emocionante partilha: 

"Quando a ideia da manta chegou, amei esta possibilidade de uma parte minha juntar-se à história de tantas. Fechei os olhos em busca de uma inspiração interior do que em mim vibra em PLENITUDE e senti  que é ser-mãe e ser-avó. Como colocar "fisicamente" isto no meu retalho, sem ter aptidões na arte do artesanato? Foi "um parto"...O resultado tem imperfeições de simetria e de costura. Mas a ideia foi plasmada! Coloquei música de Oswaldo Montenegro, cujas letras me representam, acendi incenso e concentrei-me a compor o trabalho. Eis que surge em  mim, a mulher que brotou na adolescência, despertada por três personagens: a bailarina, a cigana e a que "fugiria com o circo". E foi lindo, porque elas ainda coabitam na minha alma. Foi com a leveza da bailarina, a energia da cigana e a força da circense que gestei minha filha e meus dois filhos, que foram além de mim, e me presentearam com duas netas e cinco netos, um deles representado pela borboleta (... Entre o planeta e o Sem -fim, a asa da borboleta). E minha MÃE, com sua  luz, iluminou o caminho me dizendo: "E Assim  por Diante..." ( outros e outras virão!) - Jeovanete Pinto de Holanda Rodrigues - Recife, Pernambuco, Brasil - 02 de junho de 2023

* texto inicial de Neusa Rodrigues

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